Volto do supermercadinho da esquina, onde fui comprar uma Coca-Cola para fazer companhia ao Rum que agora não sai da minha dispensa e dos meus fins de noite ...
A vizinha do prédio em frente está alterada ao telefone; sua voz forte e revoltada corta a noite, atravessa a rua e chama-me a atenção:
— Fernando, quando você me ver na rua finge que não me conhece. Você não é homem! Você não é homem! Chega!
É sexta-feira, dia nacional dos encontros e, principalmente — pelo que me parece ultimamente — dos desencontros.
As frases repetidas e decididas dela — meio novela mexicana — me arrancaram sorrisos, porque chegava a ser engraçado de tão patético. No entanto, a sinceridade daquelas palavras reverberou em mim.
Porque é isso. Estamos na era do posso tudo. Todo mundo está disponível. O mundo agora é um infindável cardápio online e offline de pessoas oferecidas como apetitosos pratos em sites, nas redes sociais, nos bares, nas esquinas.
Mulheres paqueram sem dó homens que são declaradamente comprometidos; homens caçam novidades sem se preocuparem se elas a outros pertencem, e sem lembrarem, muitas vezes, da mulher que já existe em sua vida. Ninguém se pergunta o que realmente busca. Simplesmente ficou fácil.
Não, não tem nada de ousadia, de transgressão ou de coragem nesses comportamentos. É uma época de covardes. Ninguém quer nada direito ou inteiro. Todo mundo quer tudo e todos, sem se preocupar com o que causa, com o que provoca ou com o que rompe.
É a era do "que se dane", desde que os desejos imediatos sejam sanados. A era dos comprometidos infiéis, dos descomprometidos oficiais e, sobretudo, dos irresponsáveis emocionais. Gente que mexe com os sentimentos de quem está quieto por puro entretenimento. Quanta superficialidade. E quem está interessado em descer ao andar de baixo?
E todos incrivelmente reclamam, mas, no geral, ninguém quer nada, inclusive quem diz que sente falta de alguma coisa. E assim todo mundo tem todos e perde tudo. Perde o melhor: a intimidade, os diferentes tons da exclusividade, os segredos, as cumplicidades, o sabor único das peculiaridades.
Globalização, informação, liberdade, acesso; limites ampliados para homens e mulheres optarem por tornarem-se clones. Blade Runner!
— Você não é homem!
A voz da vizinha ainda ecoa, mas me atenho à minha Coca-Cola, ao meu Rum, ao meu break. Ando particularmente cansada desse teatro de cadeiras vazias. Coloco a minha playlist — aliás, refeita para não evocar o meu próprio "Fernando".
Por hora, ando preferindo a minha própria companhia, com um certo teor alcoólico, reconheço. Um facilitador não para fugir, me alienar, ou me conformar; e sim apenas para relaxar e dar um tempo da bagunça emocional vigente.
Bem, eu ainda espero surpresas, não por otimismo ou romantismo, mas por humanidade. Acredito que podemos ser melhores do que isso e que, eventualmente, encontraremos alguém improvável fora desse mainstream de tolos.
2017